Lilian
França
publicação original - qua,
30/05/2012 - 19:08
- http://www.ufs.br/conteudo/seguran-internet-filtros-personaliza-6799.html
Página da
UFS
As
inúmeras possibilidades de uso da Internet têm também aberto espaço para
brechas de segurança que expõem os usuários mais do que se espera. Em desktops,
notebooks, tablets, i-phones e androids, uma quantidade
preciosa de dados vai se acumulando e integrando bancos de dados que ainda
aguardam um mecanismo de filtragem mais potente, mas, mesmo assim, já são
capazes de montar pequenos dossiês de cada usuário.
O uso das
redes sociais amplia ainda mais essa possibilidade de criação de bancos de
dados, relacionando contatos, preferências, rotinas e mesmo características
pessoais que demonstram vulnerabilidades e pré-disposições.
Recentemente,
a abertura de capital do Facebook na Bolsa de Valores americana, mais
precisamente na Nasdaq, criou centenas de milionários e virou notícia em
praticamente todos os espaços, da imprensa tradicional à alternativa, do
impresso ao digital. O Facebook representa muito mais um investimento de
futuro do que de presente, a despeito dos bilhões de dólares negociados. A
quantidade de informações reunidas à espera de um garimpo mais fino permitirá a
personalização de conteúdos em níveis nunca experimentados.
Nicolas
Negroponte, em seu célebre “A vida digital”, anunciava, na década de 90 do
século XX, que os nossos refrigeradores seriam capazes de pedir leite ao
supermercado, que se comunicaria com o banco e nos restaria recolher as caixas
deixadas na porta de casa.
Analistas
hoje vão ainda mais longe, afirmando que, em breve, sonharemos com um produto
e, ao acordarmos, ele estará cotado na nossa página, com todas as
possibilidades de compra, financiamento e entrega. Nada sobrenatural, apenas
através da aplicação da lógica matemática e da estruturação de algoritmos que
analisam milhares de possibilidades até chegar a mais viável. Princípio
semelhante permitiu que em 1996 o supercomputador da IBM – Deep Blue –
vencesse o maior enxadrista de todos os tempos, Gary Kasparov. Ao processar
mais de 200 milhões de informações por segundo o Deep Blue pôde ter uma
visão ampla e até prever, de certo modo, as próximas jogadas do adversário.
Praticamente,
ninguém estranha abrir o Google e encontrar lá o local em que se está, Aracaju,
São Paulo ou Nova York. Um “simples” sistema de satélite indica a posição correta
em que estamos com nossos dispositivos móveis de comunicação. Os celulares, em
especial os chamados smartphones (lembrando que smart vem de
esperto, inteligente, mas também de violento), traçam nossas rotas pelas ruas
pondo fim ao espírito do flanner baudeleriano que se perdia na cidade
descobrindo seus cantos e encantos. Hoje, basta perguntar (entenda-se falar a
pergunta) ao i-phone “onde está o restaurante chinês novaiorquino mais
próximo?” e ele indica um ranking dos dez melhores, segundo o guia Zagat,
destes os mais próximos, o preço, os cartões de crédito que aceita e, em alguns
casos, o cardápio do dia; indica, ainda, onde estacionar, como chegar a pé, de
carro, de ônibus e de metrô e em quanto tempo.
Uma
rápida pesquisa acerca de um eletro-eletrônico, via Google, é suficiente para
que nossos e-mails se encham de ofertas similares. Entrar no booking.com
(tradicional site de reservas de hotéis) é outra atividade intrigante. O
“booking” nos segue por várias páginas; entramos no site de um jornal e o
banner mostra o último hotel pesquisado; entramos num portal de games e eis o
“booking novamente!”, o que lhe confere certo grau de ubiquidade.
Os
sistemas inteligentes, assim como a inteligência humana, funcionam tanto para o
bem quanto para o mal; e não pretendo tratar aqui dos crimes cibernéticos,
ataques de hackers ou ações deliberadamente realizadas para lesar o ser humano,
empresas ou países. Refiro-me à sutil coleta de dados e informações que tendem
antes a estreitar nosso acesso à informação do que a ampliá-lo.
O livro
“O filtro invisível – o que a Internet está escondendo de você?”, de Eli
Pariser, mostra uma Internet “feita sob medida”, que através da aplicação de
sucessivos filtros, personaliza omitindo, ou seja, não mostra o que acha que
não se quer ver. Os exemplos de Pariser mostram um Google que varia de acordo
com a postura política do usuário, um Facebook que não atualiza os
contatos com os quais se interage pouco, uma Amazon que mostra de
imediato livros correlatos aos que já adquirimos e assim por diante. O
aplicativo Whatsapp permite saber exatamente a que horas a mensagem foi
lida, estabelecendo mais uma forma de controle e vigilância.
Esse grau
de desconhecimento acerca do modo como a Internet nos conduz acaba por gerar
certo grau de insegurança, uma vez que não sabemos de fato como nossos dados
são utilizados.
Em
janeiro de 2012, mais de 23.000 alunos tiveram seus dados pessoais vazados
através de um e-mail equivocado, passado pela UNISINOS; em maio de 2011,
a SONY, através da PlayStation Network, reconheceu o vazamento de dados
de 77 milhões de usuários; também em maio do mesmo ano, a Facebook
admitiu o vazamento dos dados de seus usuários; em junho de 2012, o banco
Santander deixou a mostra no site os dados de 127 pessoas no Brasil; em março
de 2012, a operadora Verizon, informou o vazamento de dados de 174 milhões de
pessoas. Relatos acompanhados de pedidos de desculpas não diminuem o
constrangimento dos que tiveram suas vidas expostas.
Por outro
lado, quando o internauta de livre e espontânea vontade decide colocar em seu
perfil informações a seu respeito e as tornam públicas não se pode
responsabilizar outras pessoas pelos problemas que forem causados por tal
exposição.
De acordo
com o site TECNOMUNDO, Max Schrems, estudante austríaco “citando uma lei
europeia, solicitou formalmente junto ao Facebookque a rede social lhe
encaminhasse um relatório com todos os dados que eles dispusessem sobre o seu
perfil. Após esperar por algumas semanas, Schrems teve uma surpresa ao abrir um
CD com todos os dados armazenados. No total, havia 1.222 páginas de arquivos em
PDF com dados sobre a sua movimentação na rede social. Com 234 amigos, Max teve
acesso a todas as datas de login e logout em sua conta, quantidade e conteúdo
de mensagens enviadas e recebidas e um relatório com todas as vezes que cutucou
ou foi cutucado, foi citado por amigos ou interagiu com qualquer item do
Facebook. O arquivo recebido pelo jovem listou ainda dados dos amigos com quem
ele interagiu, como localização por GPS no caso de fotos taggeadas ou check-ins.
Além disso, mesmo as postagens ou informações que ele havia apagado constavam
entre os arquivos” (Disponível em http://www.tecmundo.com.br/facebook/16588-estudante-pede-seus-dados-ao-facebook-e-recebe-1-2-mil-paginas-de-resposta.htm).
Todas
essas informações podem, potencialmente, ser utilizadas para uma série de fins,
desde o comércio eletrônico até a personalização de conteúdos disponibilizados
para o usuário. Isso significa que uma triagem de dados não solicitada é
realizada antes de exibir o conteúdo solicitado. Melhor dizendo, se seu amigo
de infância, que está na sua rede, mas com quem você não fala muito, postar uma
mensagem anunciando o seu casamento você poderá não saber, pois a sua postagem
poderá não ser atualizada em sua página em função das poucas trocas de
mensagens. É claro que essas ações não são confirmadas abertamente, mas
estudos, como o de Eli Pariser, dão fortes indícios desse tipo de situação.
Da mesma
forma, Pariser afirma que o Google não é o mesmo para todas as pessoas; a
personalização do conteúdo das respostas leva em conta o histórico de navegação
de cada um; assim, de acordo com o autor, um usuário com perfil político de
direita não receberia links para páginas de esquerda e vice-versa.
Cada vez
mais refinados, os filtros vão apontando os links que mais interessam,
especializando as consultas. Quanto mais os sistemas inteligentes conhecem seus
usuários mais estreito se torna o horizonte de respostas. Claro que não
interessa a ninguém receber 5 milhões de respostas, mas, por ouro lado, a
pré-seleção, sem consentimento, manipula o acesso à informação, jogando numa
zona de sombra uma série de conhecimentos que poderiam ser extremamente
importantes, inclusive por fornecer contrapontos e levar a uma atividade intelectual
reflexiva.
Apesar de
todas as incertezas, inseguranças, riscos e ameaças, o número de pessoas
dispostas a tornar públicos dados pessoais na forma de texto, fotos e vídeos,
publicar suas mazelas, relatar suas tristezas e vulnerabilidades, dividir os
momentos de alegria e festa, enfim, numa forma de exposição pública jamais
experimentada vem aumentando.
Fotos em
situações constrangedoras, de momentos de alcoolismo, de desmazelo, de
situações vexatórias parecem não causar preocupações para a pessoa retratada
quando ela mesma as posta. Quase ninguém imagina que aquela foto possa ser
pesquisada por uma empresa por ocasião de uma futura contratação; quase ninguém
imagina que mesmo deletada a foto, ela se manterá nos arquivos e nos bancos de
dados de seu perfil. Aquilo que começa como brincadeira termina tornando-se um
fato grave. Os processos que tratam de questões ligadas a esse universo digital
ainda engatinham, mas avançam mundo afora.
Não se
sabe ao certo os rumos que irão tomar, mas de qualquer forma é sempre bom estar
a par do que fica por trás desses aplicativos, sites, redes sociais com os
quais dividimos o nosso cotidiano.
Lilian
Cristina Monteiro França é Doutora em Comunicação e Semiótica e Pós-Doutora em
História da Arte. Professora do Departamento de Comunicação Social, do Mestrado
em Letras e do Mestrado em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal de
Sergipe.
qua,
30/05/2012 - 19:08
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