quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Segurança na internet: filtros e personalização





Lilian França
publicação original - qua, 30/05/2012 - 19:08
 - http://www.ufs.br/conteudo/seguran-internet-filtros-personaliza-6799.html
Página da UFS

As inúmeras possibilidades de uso da Internet têm também aberto espaço para brechas de segurança que expõem os usuários mais do que se espera. Em desktops, notebooks, tablets, i-phones e androids, uma quantidade preciosa de dados vai se acumulando e integrando bancos de dados que ainda aguardam um mecanismo de filtragem mais potente, mas, mesmo assim, já são capazes de montar pequenos dossiês de cada usuário.
O uso das redes sociais amplia ainda mais essa possibilidade de criação de bancos de dados, relacionando contatos, preferências, rotinas e mesmo características pessoais que demonstram vulnerabilidades e pré-disposições.
Recentemente, a abertura de capital do Facebook na Bolsa de Valores americana, mais precisamente na Nasdaq, criou centenas de milionários e virou notícia em praticamente todos os espaços, da imprensa tradicional à alternativa, do impresso ao digital. O Facebook representa muito mais um investimento de futuro do que de presente, a despeito dos bilhões de dólares negociados. A quantidade de informações reunidas à espera de um garimpo mais fino permitirá a personalização de conteúdos em níveis nunca experimentados.
Nicolas Negroponte, em seu célebre “A vida digital”, anunciava, na década de 90 do século XX, que os nossos refrigeradores seriam capazes de pedir leite ao supermercado, que se comunicaria com o banco e nos restaria recolher as caixas deixadas na porta de casa.
Analistas hoje vão ainda mais longe, afirmando que, em breve, sonharemos com um produto e, ao acordarmos, ele estará cotado na nossa página, com todas as possibilidades de compra, financiamento e entrega. Nada sobrenatural, apenas através da aplicação da lógica matemática e da estruturação de algoritmos que analisam milhares de possibilidades até chegar a mais viável. Princípio semelhante permitiu que em 1996 o supercomputador da IBM – Deep Blue – vencesse o maior enxadrista de todos os tempos, Gary Kasparov. Ao processar mais de 200 milhões de informações por segundo o Deep Blue pôde ter uma visão ampla e até prever, de certo modo, as próximas jogadas do adversário.
Praticamente, ninguém estranha abrir o Google e encontrar lá o local em que se está, Aracaju, São Paulo ou Nova York. Um “simples” sistema de satélite indica a posição correta em que estamos com nossos dispositivos móveis de comunicação. Os celulares, em especial os chamados smartphones (lembrando que smart vem de esperto, inteligente, mas também de violento), traçam nossas rotas pelas ruas pondo fim ao espírito do flanner baudeleriano que se perdia na cidade descobrindo seus cantos e encantos. Hoje, basta perguntar (entenda-se falar a pergunta) ao i-phone “onde está o restaurante chinês novaiorquino mais próximo?” e ele indica um ranking dos dez melhores, segundo o guia Zagat, destes os mais próximos, o preço, os cartões de crédito que aceita e, em alguns casos, o cardápio do dia; indica, ainda, onde estacionar, como chegar a pé, de carro, de ônibus e de metrô e em quanto tempo.
Uma rápida pesquisa acerca de um eletro-eletrônico, via Google, é suficiente para que nossos e-mails se encham de ofertas similares. Entrar no booking.com (tradicional site de reservas de hotéis) é outra atividade intrigante. O “booking” nos segue por várias páginas; entramos no site de um jornal e o banner mostra o último hotel pesquisado; entramos num portal de games e eis o “booking novamente!”, o que lhe confere certo grau de ubiquidade.
Os sistemas inteligentes, assim como a inteligência humana, funcionam tanto para o bem quanto para o mal; e não pretendo tratar aqui dos crimes cibernéticos, ataques de hackers ou ações deliberadamente realizadas para lesar o ser humano, empresas ou países. Refiro-me à sutil coleta de dados e informações que tendem antes a estreitar nosso acesso à informação do que a ampliá-lo.
O livro “O filtro invisível – o que a Internet está escondendo de você?”, de Eli Pariser, mostra uma Internet “feita sob medida”, que através da aplicação de sucessivos filtros, personaliza omitindo, ou seja, não mostra o que acha que não se quer ver. Os exemplos de Pariser mostram um Google que varia de acordo com a postura política do usuário, um Facebook que não atualiza os contatos com os quais se interage pouco, uma Amazon que mostra de imediato livros correlatos aos que já adquirimos e assim por diante. O aplicativo Whatsapp permite saber exatamente a que horas a mensagem foi lida, estabelecendo mais uma forma de controle e vigilância.
Esse grau de desconhecimento acerca do modo como a Internet nos conduz acaba por gerar certo grau de insegurança, uma vez que não sabemos de fato como nossos dados são utilizados.
Em janeiro de 2012, mais de 23.000 alunos tiveram seus dados pessoais vazados através de um e-mail equivocado, passado pela UNISINOS; em maio de 2011, a SONY, através da PlayStation Network, reconheceu o vazamento de dados de 77 milhões de usuários; também em maio do mesmo ano, a Facebook admitiu o vazamento dos dados de seus usuários; em junho de 2012, o banco Santander deixou a mostra no site os dados de 127 pessoas no Brasil; em março de 2012, a operadora Verizon, informou o vazamento de dados de 174 milhões de pessoas. Relatos acompanhados de pedidos de desculpas não diminuem o constrangimento dos que tiveram suas vidas expostas.
Por outro lado, quando o internauta de livre e espontânea vontade decide colocar em seu perfil informações a seu respeito e as tornam públicas não se pode responsabilizar outras pessoas pelos problemas que forem causados por tal exposição.
De acordo com o site TECNOMUNDO, Max Schrems, estudante austríaco “citando uma lei europeia, solicitou formalmente junto ao Facebookque a rede social lhe encaminhasse um relatório com todos os dados que eles dispusessem sobre o seu perfil. Após esperar por algumas semanas, Schrems teve uma surpresa ao abrir um CD com todos os dados armazenados. No total, havia 1.222 páginas de arquivos em PDF com dados sobre a sua movimentação na rede social. Com 234 amigos, Max teve acesso a todas as datas de login e logout em sua conta, quantidade e conteúdo de mensagens enviadas e recebidas e um relatório com todas as vezes que cutucou ou foi cutucado, foi citado por amigos ou interagiu com qualquer item do Facebook. O arquivo recebido pelo jovem listou ainda dados dos amigos com quem ele interagiu, como localização por GPS no caso de fotos taggeadas ou check-ins. Além disso, mesmo as postagens ou informações que ele havia apagado constavam entre os arquivos” (Disponível em http://www.tecmundo.com.br/facebook/16588-estudante-pede-seus-dados-ao-facebook-e-recebe-1-2-mil-paginas-de-resposta.htm). 
Todas essas informações podem, potencialmente, ser utilizadas para uma série de fins, desde o comércio eletrônico até a personalização de conteúdos disponibilizados para o usuário. Isso significa que uma triagem de dados não solicitada é realizada antes de exibir o conteúdo solicitado. Melhor dizendo, se seu amigo de infância, que está na sua rede, mas com quem você não fala muito, postar uma mensagem anunciando o seu casamento você poderá não saber, pois a sua postagem poderá não ser atualizada em sua página em função das poucas trocas de mensagens. É claro que essas ações não são confirmadas abertamente, mas estudos, como o de Eli Pariser, dão fortes indícios desse tipo de situação.
Da mesma forma, Pariser afirma que o Google não é o mesmo para todas as pessoas; a personalização do conteúdo das respostas leva em conta o histórico de navegação de cada um; assim, de acordo com o autor, um usuário com perfil político de direita não receberia links para páginas de esquerda e vice-versa.
Cada vez mais refinados, os filtros vão apontando os links que mais interessam, especializando as consultas. Quanto mais os sistemas inteligentes conhecem seus usuários mais estreito se torna o horizonte de respostas. Claro que não interessa a ninguém receber 5 milhões de respostas, mas, por ouro lado, a pré-seleção, sem consentimento, manipula o acesso à informação, jogando numa zona de sombra uma série de conhecimentos que poderiam ser extremamente importantes, inclusive por fornecer contrapontos e levar a uma atividade intelectual reflexiva.
Apesar de todas as incertezas, inseguranças, riscos e ameaças, o número de pessoas dispostas a tornar públicos dados pessoais na forma de texto, fotos e vídeos, publicar suas mazelas, relatar suas tristezas e vulnerabilidades, dividir os momentos de alegria e festa, enfim, numa forma de exposição pública jamais experimentada vem aumentando.
Fotos em situações constrangedoras, de momentos de alcoolismo, de desmazelo, de situações vexatórias parecem não causar preocupações para a pessoa retratada quando ela mesma as posta. Quase ninguém imagina que aquela foto possa ser pesquisada por uma empresa por ocasião de uma futura contratação; quase ninguém imagina que mesmo deletada a foto, ela se manterá nos arquivos e nos bancos de dados de seu perfil. Aquilo que começa como brincadeira termina tornando-se um fato grave. Os processos que tratam de questões ligadas a esse universo digital ainda engatinham, mas avançam mundo afora.
Não se sabe ao certo os rumos que irão tomar, mas de qualquer forma é sempre bom estar a par do que fica por trás desses aplicativos, sites, redes sociais com os quais dividimos o nosso cotidiano.

Lilian Cristina Monteiro França é Doutora em Comunicação e Semiótica e Pós-Doutora em História da Arte. Professora do Departamento de Comunicação Social, do Mestrado em Letras e do Mestrado em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal de Sergipe.
qua, 30/05/2012 - 19:08

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